sábado, 16 de julho de 2011

Ainda as histórias...

Desde que inventaram a escrita, aquele que escreve, escreve sobre o amor. Talvez ele tenha inventado a escrita por amor. Talvez eu imagine isso, porque milênios depois a gente ainda escreva muito, quase demais, sobre o amor. Os poetas querem decifrar o amor. Os romancistas tendem a fazer de conta que aquele amor pertence aos  personagens. A realidade experimenta sufocar o amor. As canetas escreveram, como a nenhuma outra palavra, em todas as línguas inventadas transformadas em escrita, esta: amor.Shakespeare, que alguns nem acreditam que tenha existido, dramatizava o amor. Cervantes tentava quixotescamente elucidar a loucura do amor. As flores, quando brotam, fazem lembrar o amor. As cores das flores são como aquelas que a gente pensa que o amor tem. A religião tenta deserotizar o amor. A adolescência acha que todo aquele desejo de repente nem é amor. Os padres falam que aquele sentimento que Deus tem por nós é Amor. As pessoas amam seus filhos gerados num momento de amor. Algumas teses tentam esmiuçar o amor. Diversos livros pretendem dar aulas do que é amor. Todos os poemas de amor tentam traduzir o amor. Seus autores desejariam materializar o amor, fazer com que o leitor escutasse o amor, cheirasse o amor, tocasse o amor, lambesse o amor. Desejariam fazer com que todos os sentidos estivessem ali para que, mais do que ler, este leitor sentisse o amor. O poeta entrega aquela a quem ama, através do poema, aos braços do leitor. O poeta do amor pode falar de ciúmes, mas não tem ciúmes de quem o lê, não se importa de materializar sua musa na frente dele, para que sinta ou faça com ela o amor que ele mesmo, o poeta, fez e sentiu, ou imaginou fazer e sentir com sua musa imaginária. Mas de todos os livros de poesia, o que mais chegou perto de materializar, não necessariamente o amor, mas as palavras – a musa de todo poeta é a palavra –, foi este: [tecnopoética], com suas fórmulas, projetos, diagramas, setas, plantas, manuais, cálculos e desenhos geométricos gerando poemas que, dá pra ver, desejam se solidificar, ganhar corpo, textura, contraste e uma dimensão que muitas vezes está realmente ali, em esculturas que pretendem conter os significados dos poemas, com nomes tipo Abotoaduras para Suicida, Estímulo Para um Desespero Intraempreendedor e Osculador (protótipo para possível afeição). Quem sabe o autor um dia consiga, de fato, materializar o amor. Quem sabe ele já tenha conseguido...

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